WARM UP BOTUCATU 2019 – BASTIDORES

Perder o medo de fracassar começa no trabalho de desconectar você e seu ego do produto externo do seu trabalho.  Caso contrário, o fracasso se torna um ataque no seu “eu”, em você como pessoa.  E aí você vai entrar em modo de defesa – culpando os outros, não se arriscando mais, ou pior, sendo desonesto.  Por outro lado, se você remove o seu ego da equação, o fracasso pode ser uma fonte de informação rica e uma oportunidade para crescer.  Como a motivação intrínseca, o ego pode, e muitas vezes o faz, subitamente distorcer a equação. É por isso que é importante praticar todos os elementos de uma mentalidade de mestre, que trabalha em paralelo em deixar o ego bem longe de nós.

 

Número 1 na plaquinha da bike, equipe inteira convocada para me ajudar, inéditos 3 títulos na competição (recorde absoluto), equipe patrocinadora principal do evento.  Pressão? Não, nenhuma. Esse tem sido o meu principal trunfo para continuar performando em um nível alto no mountain bike aos 40 anos, uma mente no aqui e agora, com foco e diligência apenas nas coisas que eu tenho controle. Ego?  Não sei o que é isso. O formato do Festiva Brasil Ride Botucatu é muito interessante porque ele testa o biker em todo tipo de terreno, intensidade de esforço e sistemas energéticos.  A prova vai literalmente te enforcando, começa com um prólogo rápido, divertido, relativamente técnico e com uma subida final de 10min. Puts dói. Depois uma etapa intermediária de 2:30hrs para os ponteiros, com 66,5km.  Trilhas, estradões, subidas longas, terreno pesado em pasto.  E ai vem o “jab” final, com uma etapa rainha monstra que por si só pode ser considerada a prova de 1 dia mais dura do país.  Nada mais nada menos do que 110km com quase 2900m de ascensão. E uma categoria Elite recheada de campeões consagrados e também de futuros vencedores.  Mais de 40 atletas largaram na Elite!

 

Prólogo

Como já havia competido 6 edições anteriormente sabia que o prólogo seria uma etapa aonde você não ganha a corrida, mas pode definitivamente perdê-la. Ela começa em uma pista larga de motocross, e entra em um single fluido, rápido , divertido e… muito traiçoeiro entre as arvores do single track.  Despenca em um downhill longo e técnico cheio de pedras até finalizar em uma subida que começa ainda na mata, técnica, de torque alto (rpm baixo potência alta) finalizando em asfalto. Meio de prova, consegui me posicionar na frente da minha bateria, logo aonde sabia que precisava estar na frente, na boca do despenhadeiro rumo ao downhill. Desço sem problemas mecânicos.  E agora? Mantenho a pressão, dou tudo de mim? Aumento o passo na subida final para tentar alguns segundos?  Descubro rapidinho que já estou no meu limite, controlado mas bem no limite, não dá para aumentar mais.  Mantenho meu passo e no asfalto sou ultrapassado por alguns atletas. Que? Fulano colocou 1min e 40 seg na minha frente, em uma subida de 10min? Aí eu lembro o quanto de chão temos pela frente, em especial na 3ª etapa.   Mas no final, é aquela história, adversários nós não temos controle, mas meus números foram os melhores comparados com anos anteriores então considerei um sucesso esse prólogo, mesmo fechando na 5ª colocação.

 

2ª etapa

 

Com a mudança do percurso e vários companheiros de equipe na prova, fizemos uma projeção de como cada atleta da equipe se sairia nos próximos 2 dias para montar uma estratégia e claro fizemos o mesmo com nossos competidores.  Além disso, estudar o novo percurso e buscar informações mais concretas sobre o mesmo nos ajudou a definir algum tipo de estratégia. O começo da prova foi rápido e furioso; intenso.  Nosso objetivo foi nos manter na frente do pelotão que no começo estaria e foi volumoso e também entrar nas trilhas fechadas na frente. Tivemos sucesso nessa primeira parte mas quando chegou a 1ª subida longa a prova explodiu em pedaços e tinha atletas para tudo quanto é lado e direção. Eventualmente um pelotão de 15-20 atletas se formou e um passo firme na fase intermediária da prova com predominância em terreno plano e estradão, com alguns sobes e desces deu sequência na prova. Essa etapa terminava em subida, e confirmando a previsão, ela foi decisiva no resultado final do dia.   Na ultima subida novamente a subida explodiu e nossa equipe que estava nesse momento cada um por si uma vez também que os gaps de tempo do prólogo eram separados em segundos, então teoricamente todos ainda estavam na briga. Pessoalmente terminei relativamente bem, mas chegando em 5º novamente.  Como a prova estava em um nível altíssimo achei muito bom meu resultado e de estar ali ainda em posição de pódio. E mais importante do que isso, o dia realmente decisivo e que também mais encaixa no meu perfil de pilotagem ainda estava por vir.

 

3ª etapa -Etapa Rainha

 

E o grande dia chegou.  Eu não estava certo da minha forma, nunca deixei de acreditar no meu potencial, mas não estava certo de como me sentiria e como seria minha performance para poder realmente tomar as rédeas de liderar o time e começar a orientar nossa equipe a se portar como um conjunto e ter um só líder.  Mas o grande dia chegou e as minhas estatísticas nessa etapa não era nada ruins, muito pelo contrário! Nosso manager foi enfático e passou a diligencia para eu liderar a equipe. A prova começou e ai resolvi agir como líder.  O pelote estava morno, e não podia ficar, nenhum segundo mais assim.  Além disso nós não poderíamos ser a maior equipe lá e defender todas as excelentes posições em que todos se encontravam e correr o risco de sair de mão vazia.  No papel todos estavam na briga pelo título, mas ter um líder distinto e um segundo líder a espreita (Tigrinho) era o melhor caminho, eu tinha certeza disso. Então eu chamei a responsabilidade para cima de mim. Tomei a decisão de chamar o Alex Malacarte e Erick Bruke para colocar um “Z3 médio alto” na frente do pelotão e ficarmos juntos na frente para evitar problemas com atletas que ainda tinham a condição física de estar junto com pelotão de elite mas que poderiam por um acumulo de fadiga  fazer alguma manobra perigosa ou até mesmo cair na frente de um de nós. Além disso era necessário obrigar todos que estavam ali a movimentar suas pernas.  Mesmo que pegando vácuo e economizando energia, a simples movimentação constante da perna, já no 3º dia de competição daria um acúmulo de desgaste e fadiga neuromuscular considerável na minha opinião antes da parte decisiva da etapa. Na subida mais íngreme da prova, novamente a corrida explode e me vejo ficando para traz de vários atletas. Mas continuei no meu passo diesel, comecei a ver atletas colocando o pé no chão e pensei:  opa vamos continuar em um passo pessoal forte sustentável mas com uma diferença do pessoal da frente, zerar o máximo possível da subida. E isso deu certo! Foi aí o meu renascimento da prova ou foi ai que meu motor ligou e nunca mais parou até a linha de chegada. Opa passei um, opa 2, opa aquele ali la na frente vou encostar nele. Coxinha para os 1os aproximando, Hell´s Bells do Mario Roma tocando (risos), subida acabando e eu lá de volta na briga.  Nesse meio tempo, o Alex havia subido muito bem, e estava isolado solo em 3º geral, atrás do Bruno Lemes e Uirá(que não estava inscrito na Elite).  Na 1ª descida me conectei com o 3º, 4º e 5º colocados(Halysson, Psheidt e Goes) que estavam na minha frente na geral. Era isso, uma importante seleção aconteceu e eu estava na parte de cima da água aonde o navio tinha acabado de afundar.  Tudo que precisava fazer era remar e remar até a linha de chegada. Como meu jovem parceiro de equipe (de apenas 17 anos) estava na frente eu não tinha a mínima obrigação de ajudar nossos adversários e encostar nele. Como se isso não se bastasse, vi que nós iriamos entrar em um trecho extremamente técnico e essa poderia ser a minha cartada para abrir desses adversários e tentar conectar com meu parceiro de equipe. Explorei ao máximo minhas habilidades técnicas no downhill e consegui abrir cerca de 30seg e boom, no terreno já em estradão avistava meu parceiro de equipe com meus adversários uns 30-40seg atrás. 10km remando, constante, 290-300w, na subida sem apertar acima disso e na descida sem deixar cair.  Encostei, agora temos 60k de contra relógio em dupla para pedalar. Que experiencia fantástica, nós rodamos e revezamos juntos de uma forma sincronizada, enfim o tão falado trabalho em equipe aconteceu. Perfeito, até que a 8km do final meu pneu fura. Pânico? Entrar em pânico aumenta o tempo perdido que já está contando. Bora resolver. Tomei a decisão de pedir a roda traseira do meu parceiro e trocar, naquele momento era muito difícil prever qual de nós 2 poderia ser mais interessante de seguir e chamei a responsabilidade para mim e o Alex me cedeu a roda dele. Quando havíamos tirado uma das rodas da bike o Halyson passa e na sequência o Psheidt…  Resultado: consegui ainda defender um 3º lugar buscando o Pshedit que estava em excelente forma  e o Alex foi premiado com um pódio entre os melhores atletas de MTB do país, mesmo ficando lá jogado com minha roda com pneu furado. Será que esse menino já aprendeu a desprender-se do seu ego?  Com 17 anos? Isso fala mais do que sua performance física não é mesmo? E para mim um 3º com gosto de vitória! Uma corrida perfeita, mesmo com episódios imperfeitos. Que fracasso com gostinho de vitória, aprendizado e muita superação e perseverança. Quero mais uma linha de chegada!   #iamspecialized.

Hugo Prado e Alex Malacarne em trabalho de equipe.

Parabéns a @brasilride e todos os guerreiros que enfrentaram as adversidades dessa duríssima prova de MTB!  Até 2020 pessoal!

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